Os leitores que me perdoem, mas eu não consegui resistir ao impulso de contar esta história inspirada em um fato real. Era uma vez...
No último verão europeu, na França, consta que uma cigana postou-se à frente do Château de Chantilli e começou a abordar os turistas para lhes narrar fatos de épocas passadas, em troca de alguns euros para alimentar a família. Para quem não sabe, essa construção fica a 35 km de Paris e tem uma rica coleção de arte, com cerca de mil quadros, gravuras, desenhos e 30 mil livros.
Verdade ou não, a cigana dizia ser descendente de pessoas que lá moraram desde o Século XVI, quando Anne de Montmorency construiu o castelo. Também abordava em detalhes as intrigas da corte de Luis XIV e, particularmente, de como o cozinheiro François Vatel criou o afamado "creme de chantilli". O sucesso dessa criação do Século XVII, nas recepções do nobre Condé, acabou por dar mais fama ao castelo.
Consta também que, considerando o tumulto que causava junto aos serviços prestados pelas empresas de turismo, a polícia impediu que a cigana permanecesse no local. E ela, em represália, rogou uma praga na mesma hora. Disse que invocaria os fantasmas do castelo a tumultuarem, com intrigas e desarmonia, o próximo grande evento de casamento que fosse ali organizado.
Pois bem, meses se passaram e uma rica cerimônia foi marcada para Fevereiro, em pleno inverno de 2005. Como na época dos reis de França, o povo não teria acesso à festa, mas postou-se nas proximidades para ver os nobres convidados chegarem em suas carruagens. Hoje, não mais puxadas por cavalos, mas portando reluzentes cores e nobres brasões, como Rolls-Royce ou BMW, por exemplo.
Também, como no passado, os convites precisaram ser restritos a poucos. Nessa situação, amigos de longa data passam a ser esquecidos em nome do rígido comportamento social exigido, a critério dos donos da cerimônia, é claro. Já pensaram se alguém menos preparado promove uma baixaria na festa? Depois, como em qualquer corte, vale o ditado de "quem está sem coroa perdeu a majestade".
Para haver privacidade, nenhuma presença estranha pode ser permitida, só os portadores dos convites, por sinal, com sofisticado design. No passado, alcoviteiros eram afastados, hoje é a imprensa. O problema é que, por vezes, mesmo convidados acabam gerando algum mal-estar ao ambiente. E não é por haverem se excedido na bebida ou na comida.
Foi então, como num passe de mágica, que os fantasmas acordaram para a previsão da cigana e colocaram as manguinhas de fora. Porque não fazer com que um ou outro conflito estivesse bem nas proximidades dos donos da festa? Afinal, o casal anfitrião exercia momentaneamente o poder no castelo e assumia uma discutível realeza, ainda que por poucas horas.
Para começar, houve convidados que não apareceram, movidos sabe-se lá por qual tipo de sentimento, premunição ou preocupação. No passado, as festas também eram assim pois acordos, interesses e conflitos direcionavam as presenças e os relacionamentos. O que não é nem um pouco diferente do que vemos, ainda hoje, nos mais variados ambientes políticos.
De certo, deixou de ir à festa quem teve acompanhante identificada como pessoa não grata à anfitriã. E quem, ainda que sob essa condição, entrou acompanhada por um convidado amigo do anfitrião, foi pessoalmente solicitada a se retirar. Os fantasmas se divertiam, riam a valer, relembrando os tempos em que a melhor intriga começava na realeza. Bons dias aqueles, comentavam entre si.
Teve um outro momento, em que os fantasmas quiseram tirar o dono da festa do sério, quando a governanta de seu filho não teve autorização para adentrar no ambiente. O garoto ficou com a avó e a serviçal do lado de fora. E o anfitrião ficou na dele, para tristeza dos fantasmas que desejavam a atitude destemperada. Isso não é estranho pois o enamorado percebia os acontecimentos pelas lentes da paixão, à Platão, quando tudo se decodifica em beleza e perfeição.
Quem conheceu a cigana, diz tê-la visto no frio e em meio ao povo. E que ela saiu satisfeita com o resultado de suas previsões. Os fantasmas também se deram bem, pois hoje o mundo todo comenta a postura que a anfitriã teve na festa. Engraçado, tem muita gente explorando que esse evento não passou de uma jogada de Marketing. Os fantasmas não sabem o que é isso mas, no final, tudo foi bem divertido.
Quanto à cigana, se um dia você estiver visitando o castelo, é capaz de ela aparecer para comentar sobre um grande evento com um casal de brasileiros. E vai lhe contar um monte de barbaridades que teriam acontecido numa nobre festa realizada no dia 14 de Fevereiro. Cabe a você acreditar ou não, porque numerologicamente, essa soma dá sete.
Sete, como dizem os pescadores, é conta de mentiroso, e tudo isso que foi anteriormente comentado pode ser uma imensa e divertida lorota. Ou não, se você preferir acreditar em fantasmas, intrigas ou mesmo num negócio esquisito chamado Marketing!