Este artigo, em véspera de Carnaval, presta sua homenagem ao brasileiro, povo que não se abate por pouca coisa. Ou melhor, acho que nem se abate por coisa alguma, já que faz de qualquer festa, grande ou pequena, a oportunidade de sorrir para esquecer suas mazelas. E olha que não são poucas...
Eu não gosto de ficar reproduzindo material que recebo pela internet mas, dias atrás, chegou-me uma mensagem que procurava defender esta tese peculiar: o porquê da baixa-estima do brasileiro. Segundo aquele texto, mesmo sendo um povo alegre, nós aprendemos desde cedo a conviver naturalmente com as dificuldades da vida.
Afinal, pense em qualquer das cantigas de ninar que você conhece. Ela mostrará um ingrediente negativo, alguma porção de ameaça (o Boi da cara-preta, a Cuca vem pegar), agressividade (o Atirei o pau no gato), desigualdade social (o Pobre de marre-marré-marré), medo (Não vou lá que tenho medo de apanhar, Marcha Soldado Cabeça de Papel), delação (A canoa virou), traumas (Sambalelê ta doente), falsidade (o Anel que tu me deste), violência conjugal (o cravo brigou com a rosa), isso entre tantos outros exemplos que são do nosso cotidiano popular.
Ou seja, meu caro leitor, desde criancinhas e geração após geração, nós passamos por uma enorme lavagem cerebral que nos faz aceitar dificuldades e problemas de uma forma complacente e passiva. E aí, o que poderia ser um país com a Economia num grau de pujança para nos animar o ano inteiro, na realidade, é cenário de um dia-a-dia cada vez mais complicado. Na dúvida, vamos para o samba enquanto ele ainda existe!
Milhares de pessoas estão desorientadas após perderem bens em enchentes e, por paradoxal que pareça, outras milhares passam enormes dificuldades com a falta de água. Estradas esburacadas causam perdas de vidas e custos altos. Os reflexos disso na saúde física e mental são inúmeros, e o atendimento hospitalar é desastroso. Os setores privatizados sobem, constantemente, suas tarifas. Investimentos na infra-estrutura, nos últimos anos, ficaram a reboque dos números frios da Economia, no final validados no exterior.
Enquanto os níveis de desemprego crescem, os juros altos (para não se falar de todos os outros fatores) limitam investimentos estrangeiros e os empresários amargam uma situação crítica. Ah! Desculpem-me...eu quis dizer os pequenos e médios empresários, que entre burocracias, taxas, tributos, impostos e similares perdem um enorme percentual daquilo que conseguem faturar. E olha que esse dinheiro deveria viabilizar serviços públicos na segurança, educação, saúde, transporte, mas essa é mais uma fantasia (não de Carnaval). Para os grandes, o que se acaba de ver é o lucro recorde para os bancos, é a redenção de grandes grupos através de programas de salvação e financiamentos especiais.
Mas sejamos justos, pequeno por pequeno o cidadão comum também é penalizado pois, praticamente, um terço do que ganha vai para pagar sua cota de contribuição aos serviços públicos que não tem. E a área da Economia gera as muitas oportunidades para que fraudes com cheques dobrem, as indústrias cortem vagas e a renda do trabalhador caia. Enfim, estamos num limite perigoso de destruição de valores sociais, morais, culturais e de cidadania.
Enquanto isso, no exterior, a mídia especializada mostra um Brasil celebrado como excelente destino para investimentos, com risco baixo para os grandes capitais. Por outro lado, há um segmento da mídia que mostra o Brasil como um excelente destino turístico, principalmente o sexual. Vários roteiros, endereços e tarifas são divulgados para quem quer se aventurar por aqui, principalmente no "Carnival in Rio".E na Europa, por acaso, um rádio-teatro aborda a violência e os perigos daqui. Na BBC!
Infelizmente, todo o esforço que há anos se desenvolve para mostrar que o país é muito mais do que samba, futebol e mulher bonita vai afundando na rabeira de um quadro anacrônico da nossa realidade econômica. Que vai passar um Carnaval sambando na avenida, como se nada estivesse acontecendo. Unindo corações e vozes na animação do brasileiro que, depois, vai conviver com as dificuldades dos novos cortes orçamentários, que vão da tecnologia a projetos especiais, passando pela perda de 80% dos recursos destinados à eliminação do trabalho infantil e escravo.
Haja estratégias e planos de marketing, no futuro, para agregar valores positivos à imagem do país. Assim vai ser difícil mudar a atual percepção internacional para a de de que o Brasil é uma força de expressão internacional, marca progressista e diferenciada, onde habita um povo competente e trabalhador. Tudo isso é muito relevante, contrapondo-se à mais recente onda de acontecimentos que nos mostra como um local festeiro e exótico.
Depois do Carnaval, restam as cinzas de sonhos, fantasias e, principalmente, de uma esperança que um dia tentou vencer o medo.